Acho uma boa falar do Projeto de Lei nº. 4.208/01 antes que ele seja aprovado no senado (o que ainda deve demorar um bom tempo), mas é que a matéria regulada é muito legal (prisões cautelares) e as mudanças podem não ser tão boas quanto se espera...
O projeto já foi aprovado pela câmara e, atualmente, se encontra com o relator na CCJ do Senado. E o que mudaria com essa nova lei?
Não existiriam mais as prisões decorrentes de sentença condenatória, nem em decorrência de decisão de pronúncia. Ou seja, só haveria as prisões temporária, preventiva e em flagrante. Isso, por si só já é uma grande evolução para adequar o CPP à Constituição (e não o contrário, como querem hoje em dia...).
Outra coisa interessante é a criação de uma lista de medidas alternativas às prisões cautelares que devem ser aplicadas antes de se aplicar a prisão. São elas:
- comparecimento periódico em juízo;
- proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares;
- proibição de manter contato com pessoa determinada;
- proibição de ausentar-se da Comarca
- recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga nos crimes punidos com pena mínima superior a 2 (dois) anos (mas eles só aceitam essa aqui quando o acusado tem trabalho e residência fixa, ou seja, de acordo com o IBGE, 15,7% dos brasileiros já estão sumariamente excluídos dessa possibilidade);
- suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira;
- internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça (em resumo: manicômio); e
- fiança (que ganha mais uma forcinha e volta a ter alguma importância, pois atualmente ela é totalmente inútil).
Agora começa a parte dos poréns:
Uma coisa que continuaria bizarra é a possibilidade do juiz determinar a prisão preventiva de alguém de ofício. A doutrina fala tanto das maravilhas do sistema acusatório, mas na hora de legislar mantém o sistema misto com tendências esquizofrênicas inquisitórias.
Outra falha grave é a manutenção da garantia da ordem pública como fundamentação da prisão preventiva. Até hoje ninguém conseguiu definir o que é ordem pública e o porquê dela servir para fundamentar uma prisão processual. Mais uma bola fora da reforma...
A prisão temporária continuará a mesma porcaria que é hoje (parece que ela é o patinho feio das prisões cautelares e ninguém se lembrou dela na hora de escrever o projeto... Ponto para a Polícia Federal).
Também não incluíram a possibilidade de indenização por erro judicial quando decretada prisão cautelar manifestamente ilegal ou de alguém que ao final é absolvido nos termos do inciso I (prova de que ele não cometeu o crime mesmo, que o réu era inocente mesmo).
Particularmente eu achei esse projeto um lixo. Muda pouco e o que muda não muda tanto, além disso há tantas brechas que dá para qualquer aplicador distorcer completamente o objetivo da lei. Há tantos exemplos interessantes no direito comparado (aqui mesmo nos países latino-americanos) do que poderia ser alterado, mas parece que mais uma vez nos fechamos no nosso mundinho, uma pena.
É a velha tradição brasileira: a intenção era boa, mas a execução...
Escrito ouvindo: Ené Alantchi Alnorem (Mulatu Astatke, Ethiopiques Vol. 4: Ethio Jazz & Musique Instrumentale 1969-1974)
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