2.4.08

Exemplo de Prisão Temporária e Crítica

Todo mundo deve ter visto ou ficou sabendo do caso da menina que morreu após cair ou ser jogada do apartamento aqui em São Paulo.

Bom, de acordo com a notícia abaixo (a matéria da folha é longa, por isso só coloquei trechos que interessassem, quem quiser ler inteira clique aqui) foi decretada a prisão temporária do pai e da madrasta da menina.

Leia o trecho, depois eu faço meu comentário.

"Polícia pede prisão do pai e da madrasta de Isabella

da Folha Online

02/04/2008 - 15h58

Atualizado às 16h27

O TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo confirmou na tarde desta quarta-feira o pedido de prisão temporária do casal Alexandre Nardoni, 29, e de sua mulher, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24. Alexandre é pai da menina Isabella Oliveira Nardoni, 5, e Jatobá era madrasta da garota.

Isabella morreu no sábado (29) supostamente depois ser atirada do 6º andar do prédio em que o pai mora, na zona norte de São Paulo.

O pedido de prisão foi feito logo depois de a mãe da menina, Ana Carolina Cunha de Oliveira, 23, ter prestado depoimento, no 9º DP (Carandiru). Ontem (1º), seis pessoas foram ouvidas --cinco vizinhos e um PM que esteve no local.

O delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º DP, que investiga o caso, afirmou que o pai e a madrasta são "candidatos a suspeitos". Segundo Calil Filho, duas testemunhas, um casal de advogados que mora no 1º andar, disseram ter ouvido gritos de "pára, pai" no sexto andar, pouco antes de a menina ser encontrada.

(...)

Pouco antes de a mãe deixar a delegacia, a delegada Elisabete Sato, titular da 4ª Delegacia Seccional Norte de São Paulo chegou para "orientar as investigações". ‘Existem pontos que são conflitantes [nas versões coletadas pela Polícia Civil], e esses pontos terão que ser dirimidos, senão não tem como a investigação continuar de forma satisfatória.’”

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A notícia não diz, mas provavelmente a prisão deles terá prazo de 30 dias (prorrogáveis por mais 30). Isso porque o delegado deve ter mandado um homicídio qualificado (por motivo fútil ou impossibilidade de defesa da vítima).

Primeiro, como o delegado pediu (e o tribunal deu) a prisão temporária de “candidatos a suspeitos”? É o maior contra-senso da história. A prisão temporária (se servisse para alguma coisa) não serve para criar suspeitos, mas para sanar dúvidas "insanáveis" sobre um suspeito livre (na verdade é um indiciado, aquele que está um degrau acima do suspeito) e somente quando ela é indispensável. E não é opinião minha, está no texto da lei 7.960/89.

Segundo, quais as diligências que necessitariam da restrição pessoal dos dois? Nenhuma, até porque existe direito ao silêncio e ninguém é obrigado a provar contra si. Então, prender para ouvir um “me recuso a falar” ou uma negativa à participação em reconstituição, acareação, reconhecimento ou que quer que seja, fere o princípio da proporcionalidade (cf. Scarance, Processo Penal Constitucional, p. 54/61).

Mais uma vez a prisão temporária está servindo para aplacar a fúria da opinião publicada. É essa a principal função da temporária, uma prisão com menos requisitos que a preventiva e com um prazo certo, o juiz nem fica com peso na consciência de mandar alguém pra cela assim.

Não estou dizendo que os pais da menina são culpados ou inocentes, mas eles não merecem este tratamento, principalmente porque não se tem (aparentemente) indícios vigorosos de que ambos mataram a menina.

Mesmo se fossem culpados eles não merecem este tipo de tratamento, mas e se eles forem inocentes? Dá-se um tapa nas costas, manda um “desculpa” e cada um vai pra sua casa? O processo penal não serve para saciar vontades públicas de vingança...

Escrito ouvindo: Assassinaram o Camarão (Originais do Samba, É Tempo de Originais)

7 comments:

Anônimo disse...

Com certeza teve influência da opinião pública, mas pode-se considerar que é para que não tenham condições de "inventar" provas favoráveis. Isso é válido? Não sei...

Pedro Schaffa disse...

Há dois problemas. O primeiro é que aparentemente não há provas cabais contra eles, por isso prender é complicado.
Quanto à inventar provas, se a polícia pudesse provar que eles estão interferindo no processo, deveriam decretar a preventiva (mas é que a preventiva precisa de mais certeza quanto à autoria).
O máximo que se poderia fazer caso o pai e a madrasta estivessem coagindo testemunhas, p. ex., é enquadrá-los no art. 344 do CP.
a prisão temporária não serve para cercear a liberdade da pessoa para que ela não possa se defender.
Abraço!

Anônimo disse...

Pois é...o delegado (foi ele quem pediu né?) e o magistrado que concedeu utilizaram um quesito da preventiva (garantia da ordem pública), um da temporária (imprescindibilidade para o inquérito, embora altamente contestável) e ferro..agora quanto aos indícios SUFICIENTES de autoria, ah, esse ficou pra depois...se tal decisão tivesse a lavra de Celso de Mello (vi uma decisão dele hoje revertendo uma preventiva num caso de tentativa de homicídio) não acho que haveria tal desfecho...indiciados sem maus ante cedentes, com profissão, residência fixa,etc...não há dúvida de que tal prisão foi um exagero...o interessante é notar que pelo modo como foi divulgado dá a idéia de que os dois é que pediram a cautelar, pois estavam com medo dos "populares"..agora é assim então..tenho medo, por favor me prenda, e faça do DP e do delegado instituições de caridade...ah, gostaria de parabenizar pelo blog (vi no diário de um juiz)..idéias para difundir e discutir o direito de forma inteligente e racional (espero que seja o caso deste espaço) sempre me agradam...

Pedro Schaffa disse...

Esse caso é bem emblemático em vários pontos.
Dá pra se discutir também um monte de coisa: a relação da mídia com a justiça (imprensa como juiz paralelo), se é necessária a publicidade (juridicamente falando)em certos crimes, se é necessário o uso de algemas (os dois foram algemados quando foram para a DP, como se fossem fugir), se o delegado e o promotor podem se manifestar contra ou a favor de alguém publicamente (principalmente em crimes que vão para o júri), se o júri neste caso seria realmente imparcial etc.
Valeu pelos comentários, espero mais participações. É sempre melhor quando as pessoas se posicionam!
Abraços!

Anônimo disse...

...então caro Pedro, primeiro quero parabeniza-lo pelo site e aproveitando a deixa do assunto sobre o "caso Isabella" o que se viu foi um festival de arbitrariedades e aberrações juridicas e periciais em nome do clamor publico e da pressão da midia, leia-se, condenação sumaria sem direito de defesa. Cabe lembrar que, apos a publicação da sumula vinculante numero 11, a midia se acalmou um pouco, pois preso sem algemas parece não dar audiência. Diante de tanto absurdo fica uma pergunta: E se forem ambos inocentes? Me lembra o caso dos irmãos Naves... grande abraço!

Anônimo disse...

Quanto mais estudo Direito, quanto mais vejo as pessoas "tentar"colocar o Direito em prática, mais percebo o quanto as pessoas são hipócritas, o quanto há o jogo de interesses, e o quanto o dinheiro diz TUDO!

Unknown disse...

Graças a Deus, me atualizando consegui encontrar pessoas inteligentes e que possam auxiliar os demais.
Lendo este artigo, estou totalmente de acordo com a vossa opinião, pois o tratamento mesmo que eles sejam culpados, deveriam igual a todos, e não, só por causa do clamor público, manter os dois encarcerados.
Quero deixar bem claro que não estou defendendo, só quero um tratamento justo.