Continuando, posto agora a segunda parte (clique aqui para ver a primeira parte):
O Modelo Atual
A lei 7.960 regulou a prisão temporária de maneira extremamente singela. Os requisitos para a decretação da medida estão previstos no art. 1º e o prazo de duração (de 5 dias, prorrogáveis por mais 5) está definido no art. 2º. No entanto, a lei 8.720/91, a Lei dos Crimes Hediondos, alterou o prazo de duração da prisão temporária para os crimes ali previstos, aumentando-o de 5 para 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias.
Na falta de disposição legal clara no tocante aos requisitos da prisão cautelar, a doutrina tentou suprir a lacuna gerada pela péssima redação da lei buscando justificativas para a aplicação da prisão temporária e definindo a maneira pela qual os requisitos seriam combinados para trabalhar harmonicamente com os conceitos de cautelaridade criados para o processo civil e enfiados goela abaixo para o processo penal 1.
A doutrina prevalecente não considerou os direitos ao silêncio e de produzir prova contra si como impeditivos à prisão temporária 2. Restringir a liberdade do investigado por 5, 10, 30 ou 60 dias não se justifica, seja porque não há nenhum ato investigativo que se prolongue durante todo este período, seja porque o acusado não é obrigado a participar de nenhum ato investigativo.
Além disso, quando se trata de crime hediondo, o abuso é ainda maior já que há previsão legal de 10 dias para o término do inquérito de réu preso além disso, a Emenda Constitucional 45 consagrou a celeridade processual e a razoável duração do processo como garantias constitucionais do indivíduo.
Por último, é importante lembrar que não há previsão legal de indenização para os presos cautelares mesmo em caso de absolvição. Assim, todas as cargas recaem sobre o investigado e nenhuma sobre o Estado, o que representa uma inversão dos valores do processo penal, que reconhecem o cidadão como a parte mais fraca (portanto, a que tem menos ônus) da relação processual.
Considerando que no Brasil não há previsão de medidas cautelares alternativas não restritivas de liberdade à prisão temporária, o único caminho legal para resolver questões investigativas durante o inquérito aponta para a prisão temporária.
Essa ausência de veredas também impede melhores formas de investigação em todos os outros crimes que não constam no rol da prisão temporária, uma vez que medidas alternativas poderiam ser aplicadas, inclusive, em crimes que não constassem na lista restritiva do inciso III, art. 1º, da lei 7.960/89.
A criação de medidas investigativas mais brandas do que a temporária, portanto, seria benéfica também para a investigação criminal, uma vez que ampliaria o leque de instrumentos úteis para a produção de provas em crimes não abrangidos pela prisão temporária, sem, no entanto, violentar os direitos pessoais do investigado.
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1 - Como diz Aury Lopes Jr, a doutrina predominante no processo penal pensa "tudo desde o lugar do processo civil, com um olhar viciado, que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do processo civil. O problema é grave, mais grave ainda quando assistimos a imensa parcela da doutrina (e, por conseqüência do ciclo vicioso [senão incestuoso], também da jurisprudência) falando em fumus boni iuris e periculum in mora para as prisões cautelares". Em: Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Vol. I, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 34
2 - Com exceção de Roberto Delmanto Jr, que defende a inutilidade da prisão temporária para a investigação e a desproporcionalidade entre o prazo para a prisão e o tempo necessário para a realização de diligências. Para o autor, a prisão temporária somente poderia ocorrer quando combinados o inciso II e III, posição da qual discordo. Cf. Delmanto Jr, Roberto, As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração, p. 133 e seguintes, dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
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Escrito ouvindo: Thela Hun Ginjeet (Les Claypool, Live Frogs: Set 1)
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