27.7.08

Vossa Santíssima Majestade, o Ilustríssimo Juiz de Direito...

Sugestão da Betina

Há uma discussão muito interessante sobre a posição do juiz no processo penal que o art. 385 do CPP resume bem.

De acordo com este artigo, o juiz pode condenar mesmo que o MP peça a absolvição ou reconhecer agravantes quando o promotor não as pedir.

E qual o grande problema disto?

De acordo com Goldschmidt (citado por Aury Lopes Jr. na p. 73) "no modelo acusatório, o juiz se limita a decidir, deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos, isto é, as partes".

Beleza, e o que isto quer dizer?

Que o juiz, em um sistema acusatório, deve se portar como uma samambaia durante todo o processo, só atuando quando cutucado pelas partes e nos limites por elas formulados.

Quando o juiz decide além do que foi pedido, ou quando discorda do pedido de absolvição, ele acumula a função de acusador e julgador, característica básica de um sistema inquisitório.

Se você somar isso a outros "direitos", é mais do que óbvio que o juiz brasileiro é quase um inquisidor espanhol.

Assim, pretendo demonstrar que um juiz tupiniquim pode sozinho proceder passo-a-passo, desde o inquérito até a sentença, acumulando a sua função, a da acusação e a do capeta:
  1. Um Ilustríssimo Juiz de uma bucólica cidade do interior assiste uma matéria no Jornal Nacional e fica chocado com algo;
  2. Após o Boa Noite, Vossa Excelência requere providências da autoridade policial (art. 5º, CPP)
  3. Iniciado o inquérito, o Insigne Julgador acha bom ordenar uma busca e apreensão (art. 242, CPP);
  4. Não satisfeito e querendo garantir que o réu não se de bem, o Egrégio Juiz manda sequestrarem os bens pretensamente adquiridos com os produtos do crime (art. 127, CPP);
  5. Daí um jornalista escreve algo sobre a investigação. Vossa Magnificência, observando que se trata um caso de grande repercussão social, alega uma "garantia da ordem pública" e manda o réu pra cadeia preventivamente (art. 311, CPP);
  6. O ministério público, após verificar os autos do inquérito, pede o arquivamento, mas o Colendo Julgador rejeita o pedido e manda pro procurador geral decidir (art. 28, CPP) e o procurador, para não causar muito, decide oferecer a denúncia, prontamente aceita;
  7. As partes apresentam as testemunhas que querem ouvir, mas Vossa Majestade não acha que será suficiente e chama outras, por sua conta e risco (art. 209, CPP);
  8. Depois de ouvir todo mundo, o Respeitável Julgador decide que é preciso mais e ordena a produção de outras provas (art. 156, CPP);
  9. Observando que o crime pelo qual o réu foi denunciado não é o bastante, Vossa Santidade manda o promotor aditar a denúncia e, com dor no coração, abre prazo de três dias para a defesa se manifestar (art. 384, parágrafo único, CPP);
  10. Só que, nas alegações finais, o safado do promotor pede a absolvição do réu. Com o orgulho ferido, Deus-na-terra não só condena o réu, como também reconhece diversas agravantes que nunca foram pedidas (art. 385, CPP);
  11. A aventura termina num domingo, dia de Fantástico...
Adoro o sistema acusatório brasileiro, dá uma saudades da inquisição...

Escrito ouvindo: Moon Over Marin (Dead Kennedys, Plastic Surgery Disasters - In God We Trust Inc.)

4 comments:

Anônimo disse...

Cara,
O que direi? Fantástico!

Unknown disse...

Muito Bom !!!

Thiago.luquetti disse...

Excelente , Parabéns pelo blog

Manual de Fundações disse...

PARABÉNS PELOS COMENTÁRIOS. QUE JESUS TE ABENÇOE