28.4.08

A Menina, o Circo, os Leões e o Palhaço

Acabei de ver uma matéria no site da Folha, cujo título era o seguinte: "98% dos brasileiros sabem sobre morte de Isabella, mostra pequisa; índice é recorde". Nem li a matéria porque não aguento mais ouvir sobre esse caso.

Sério, a menina morreu, é um caso trágico etc. mas o espetáculo que montaram em volta disso é ridículo. Durante a reconstituição da morte tinha narrador, comentarista e 45 câmeras, só faltava ter replay, análise em câmera lenta e árbitro. Daí eu fui dar um google só pra ver quantas meninas tinham morrido de forma trágica, no mesmo período e ninguém tinha dado a mínima.

Achei no site do Estadão uma matéria de 11.03.2008 com três notinhas sobre crimes bárbaros (um bem pior que o da Isabella) mas que ninguém comentou, não saíram na capa da Veja com um título sensacionalista em letras garrafais e um fundo preto, não gastaram milhares de reais na reconstituição dos crimes, provavelmente o promotor não vai chamar uma coletiva de imprensa e ninguém vai colocar a foto dessas meninas no orkut ou mandar pêsames pras mães delas. Provavelmente Ludimila Caroline Ferreira de Campos não morava em um apartamento de classe média em São Paulo...

Voltando à matéria e ao Direito, é preciso lembrar que o homicídio doloso é crime de competência do Júri. O Júri é composto por cidadãos aleatoriamente selecionados. Agora, 98% dos cidadãos sabem sobre o crime e, principalmente, têm uma visão distorcida do que ocorreu (ou pelo menos não vão ver o reflexo apenas daquilo que consta no processo) em razão da ostensiva participação da mídia, seja noticiando, analisando, investigando ou julgando.

Além disso, os 7 membros que vão compor o Júri (caso o casal seja denunciado e, posteriormente, pronunciado) não precisam justificar o seu voto. Eles somente respondem sim ou não (de forma secreta) aos quesitos levantados.

Qual a imparcialidade de uma justiça que já vem com todas as cartas marcadas? Será que o Júri é melhor do que o juiz togado para julgar os acusados de crimes contra a vida?

Eu já trabalhei no Júri como estagiário da promotoria, mas sempre tive um pé atrás com a coerência dos julgamentos. É preciso analisar se essa é a melhor forma de se julgar as pessoas, principalmente porque estes são crimes que têm grande repercussão e o formato do plenário é feito para grandes espetáculos e atuações, o direito fica em segundo plano.

Só um último comentário. Lamentável a participação desse promotor. Só queria saber quantas vezes ele compareceu em outras cenas de crime e se ele (assim como alguns colegas que adoram holofotes) pretende virar político.

Escrito ouvindo: A Day in the Life (Beatles, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band)

6 comments:

Anônimo disse...

Também já me questionei sobre a parcialidade dos vereditos do tribunal do júri quando há extrema exposição dos crimes pela imprensa. Belíssimo post por sinal!

Abraços.

Pedro Schaffa disse...

Olá Danyllo,

Eu fico pensando se o júri é válido mesmo para os casos em que não há tanta exposição na mídia.
Aquilo é um grande espetáculo para a platéia que se diverte, mas o direito fica às moscas.

Abraços e volte sempre!

Anônimo disse...

A imparcialidade é muito questionável. E acho um tanto quanto impossível.
Fora isso, adoro essa música! Tocava no piano!!

Anônimo disse...

É verdade a mídia faz espetáculo com a vida dos outros, quer sejam culpados ou não os Nardoni já foram condenados para o resto da vida. E o pior, eles e a família de todos os envolvidos. O nome já está maldito pela mídia de mercado. Se eles fossem pobres, como se mostra no documentário Justiça, já estariam na cadeia faz tempo sem ninguém saber. Como diz a defensoria pública no documentário Justição, ao contrário do que a mídia diz que ninguém vai para a cadeia, vai sim, mas quem vai são os pobres. Quando será que a mídia vai cumprir a ética que diz ter, só quando não houver mais a competição do capitalismo neo liberal, onde o importante é a grana e não a justiça da sociedade, que é falha. O filme David Gale mostra bem isso, com relação a pena de morte. Abs

Christian Bezerra Costa disse...

Bahh!!!
Com respeito ao vosso comentário.
Mas, o problema de ser técnico em um ramo da ciência nos obriga a esquecer os outros.
O problema da repercussão do caso Isabella, não é só de cunho jurpidico em si, ou processual penal, é uma questão social. Nada de errado, é uma valvula de escape da sociedade através da mídia. Estamos observando o foco muito concentrado.Cada um têm sua vez de entrar em cena, e parafraseando Nelson Hungria: Os que cometem delitos, podem esperar duas repercussões, uma social e outra penal. E com relação ao tribunal do juri, este, assim como a mídia ou o clamor público são fontes ou interpretações do Direito no qual buscamos a Justiça. Por isso, não fico triste, é assim mesmo.

Pedro Schaffa disse...

Ok, como diz a piadinha mais manjada da história, vamos por partes.

Didi - A imparcialidade pura é impossível, no entanto se é mais justo quanto mais imparcial se é. Então, ao invés de jogar a decisão para pessoas já influenciadas, melhor um juiz, que tem a obrigação de ser imparcial (mesmo que não o seja). Além disso a sua decisão pode ser revista em até 3 instâncias diferentes, o que não ocorre com o júri que é soberano. E a música é muito boa mesmo, a melhor do álbum.

Victor - Você sabe se tem algum lugar na internet em que esteja disponibilizado o documentário (nem que seja por partes)? E o que eu mais bizarro nisso tudo é que todo ano tem um crime novo contra um menor de classe média que vira o foco da mídia por alguns meses (vide o sequestro do japonêsinho que foi assassinado, a garota que foi assassinada pelo champinha, o joão hélio, agora a isabella etc. mas ninguém lembra os nomes das crianças que morreram com bala perdida no Rio ou que foram assassinadas na candelária...).

Saturn - Exatamente, a repercussão não tem nada de jurídica, ela é um fato social com reflexos no mundo jurídico. Na verdade eu nem queria discutir o caso da menina, eu queria discutir se o júri é a melhor forma de se julgar as pessoas.
O que eu acho é que você inverteu a mão, não é este caso que é uma válvula de escape das sociedade através da mídia. Este caso é a consagração da mídia por ela mesma. Ela criou a necessidade de informações constantes sobre o caso (que ela mesma fornece), ela analisa passo a passo o que houve, ela decide as perícias que serão feitas e finalmente julga.
Por que você acha que este caso tem uma super exposição e o caso da menina de 10 anos estuprada, esfaqueada 18 vezes, esmagada com uma pedra não o teve? É tudo um jogo de interesse, de quem vende mais jornais e de quem é seu público alvo.
Só tenho que dar a mão a palmatória para um jornal até agora, acreditem ou não o jornal do SBT quase de madrugada.
Ontem eles fizeram essa questionamento e mostraram que diversos crimes semelhantes esperam perícias simples (como tirar fotos do local do crime ou balística na arma) enquanto o da Isabella foi feito em tempo recorde, com custos exorbitantes e que durante a reconstituição havia mais de X policiais do GOE, Y peritos, Z delegados, só pra ver a bonequinha na janela.

Valeu pelos comentários,
Abraços